segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Trechos de um diário...

... do diretor Jayme Monjardim - gravações da minissérie A Casa das Sete Mulheres



Aqueles foram tempos convulsivos no Rio Grande do Sul. Um povo ainda em formação lutava por sua terra, seu gado, suas mulheres e seus filhos. Para o campo migravam os homens, numa marcha sem volta. Idealistas, sanguinários, libertários, soldados, estancieiros, peões, maridos, pais. No campo sangravam. No campo passavam frio e fome.
(...)
Na casa ficavam as mulheres. Com elas, moças que viam a meninice passar, esperando seus irmãos, seus pais, um pretendente que pudesse transpor a porteira só para cruzá-la novamente rumo à morte.
Aqueles foram tempos de espera.

E a espera trazia a incerteza, a angústia, o medo e a solidão, que disputava com a insanidade um lugar no coração do pampa. Mas na casa também repousavam a vida e a obstinação. A esperança de que uma ferida não fosse encontrar a morte ao cair da noite. Na casa as mulheres colocavam as dores para quarar ao sol.
 

E rezavam, crentes. Cozinhavam os doces e teciam as roupas, silentes. E amavam, amavam com gana e com fé, agarradas a esperanças que só dividiam com a escuridão do pampa.

Na casa do general farroupilha Bento Gonçalves da Silva, líder tenaz de um povo insurreto, ficaram Ana Joaquina, Maria, Manuela, Mariana, Rosário, Perpétua e Caetana - e por que não dizer Beth Mendes, Nívea Maria, Camila Morgado, Samara Felippo, Mariana Ximenes, Daniela Escobar e Eliane Giardini. 
  
Seus registros perderam-se na história. Ninguém sabe quantas foram as noites que essas mulheres passaram em claro chorando seus homens, ou quantas foram as noites que gastaram reunidas na sala, em volta de um fogo tremulante, à espera de um parto, de uma notícia, de um encontro sorrateiro de amores proibidos.

(...)

Como que por um gracejo da memória, a história da vida privada daquela estância emerge no livro A Casa das Sete Mulheres, da gaúcha Letícia Wierchowzki, é recontada por Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão e se torna realidade pelos olhos de Jayme Monjardim. Real, tão real quanto as noites que se arrastaram pelos corredores e quartos e lençóis daquela casa, na longa espera que começou em 1835 e expirou em 1845.
Essa história não é apenas uma história do povo gaúcho.

Não é apenas das mulheres - suas dores e seus amores - nem apenas dos homens e de seu sangue derramado.

É humana. Nasce do conflito, da discórdia, mas também dos ideais e da dignidade. Sobretudo, é uma história de amor, desse sentimento que fala aos homens de bravura, às mulheres enlevadas, às mães zelosas e ao coração de qualquer um que a escute.
Uma história apaixonada que comoveu uma equipe que se transformou em uma família comandada por um pai exigente, obstinado, determinado e, ainda assim, doce.

O fim do dia trouxe lágrimas aos olhos de muitos - emoção que se repetiria muitas vezes, em várias outras cenas conquistadas, e não apenas gravadas. Algo aconteceu naquele vale das sete mulheres, no sétimo dia em que Jayme Monjardim pisava o Rio Grande do Sul: a certeza de que todas as pessoas ali respiravam aquela história de amor, estavam tomadas por ela, viviam-na. Ali, o que era história de um povo passou a ser realidade.

Na vizinha São Jose dos Ausentes a família cresceu, chegaram soldados e chinas, as demais mulheres da casa, seus irmãos e seus amores. Lá desembarcou Werner Schünemann, trazendo na alma o lendário general Bento Gonçalves. Lá, também, a chuva e a serração apanhou a equipe de surpresa, causou angústia e apreensão, os primeiros lamentos. Como toda família, esta aprendeu a se unir na dor, e assim teve certeza de que, a partir dali, poderia superar, junta, todas as dificuldades.  

Diário completo: http://www.jaymemonjardim.com.br/casa_sete_mulheres/

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A mulher que foi abduzida - Assombros urbanos (Dionísio Jacob)


    Reli ‘Assombros urbanos’. O que posso dizer? Ficava sozinha rindo feito uma boba! Tudo muito normal, pois o livro é engraçadíssimo!
    Separei trechos de uma entrevista de mais uma pessoa estranha ao programa Assombros na Madrugada. Como sempre, Lima, o apresentador limão, tira a maior onda. Vejam:

***


LIMA – Várias manchetes diziam, com sutis variações entre elas, que uma balconista do Mappin havia abordada por um alienígena. Bem, claro, nossa produção foi atrás e trouxe a senhorita Gorete Maria da Silva, a balconista em questão, até nossos estúdios. Entre, por favor, Gorete.
(...)
GORETE: O senhor é gozado. Bom, foi o maior corre-corre. Acharam que era um assaltante. Fui até a delegacia. Quando eu comecei a explicar, pronto... tinha jornalista lá perto e a coisa toda começou.
LIMA: E você não viu mais o ET?
GORETE: Na hora ele sumiu.
LIMA: Eu faria o mesmo.
GORETE: Depois de uma semana, ele apareceu. Me convidou para jantar. Fomos ao cinema e tudo.
LIMA: Escuta, Gorete. Como você pode ter certeza de que ele é um alienígena? Por acaso ele possui antenas, é verde, essas coisas?
GORETE: Não... não. De aparência normal, como qualquer ser humano. Quer dizer, essa é a forma que ele está usando.
(...)
LIMA: Às vezes a cabeça da gente engana, Gorete. Vai ver que a senhorita gostou do rapaz e sua cabeça provocou uma fantasia. Aí, depois que saiu aquilo tudo no jornal, o rapaz, que não é bobo nem nada, voltou para representar o papel que lhe foi imposto pela mídia. O que você acha dessa minha teoria?
 
GORETE TEM UM ATAQUE DE FÚRIA. LEVANTA-SE E APROXIMA DEDO DO ROSTO DE LIMA.

GORETE: Quer calar essa boca imunda?
LIMA: Como?
GORETE: Não foi nada disso! Ele é um ser de outro planeta. E ele é muito gentil, sabia? Nós nos apaixonamos. Ele... ele... ele me abduziu!
LIMA: E como isso aconteceu?
GORETE: Fomos até a nave dele.
LIMA: Você entrou na nave?
GORETE: Foi uma coisa muito espantosa. Nós fomos teletransportados para lá.
LIMA: Como assim?
GORETE: A gente estava na minha casa e começamos, o senhor sabe... bem...

GORETE FICA RUBORIZADA. OLHA PARA O CHÃO.

LIMA: Eu entendo, Gorete. Nosso público também. A senhorita não precisa entrar em detalhes. E aí?
GORETE: Então surgiram faíscas, luzes, e, quando eu vi, estava dentro da nave, atravessando o céu. Cada toque nosso produzia faíscas coloridas.
LIMA: Faíscas coloridas?
GORETE: Multicores. Parecia uma festa de São João.
Lima: Sei.
(...)

GORETE SE LEVANTA E VAI ATÉ A CÂMERA.

GORETE: Volte, Gípion, volte! Volte!
LIMA: Gorete... se acalme.
GORETE: eu sei que você me ama. Eu sei. Nossa experiência foi muito profunda. Volte, Gípion!
(...)
LIMA: Nosso programa já não tem público na Terra, que dirá em outra galáxia! Gorete, desculpe dizer, mas acho que você foi iludida. Vai ver, seu querido alienígena mora aí mesmo em diadema.
(...)
GORETE: Está vendo? Está vendo isto aqui?
LIMA: O que é isso?
GORETE: Uma pistola de raios paralisadores.

LIMA NÃO CONSEGUE EVITAR UMA GARGALHADA, QUE REPRIME COM MUITO CUSTO. APANHA O REVÓLVER E O ANALISA.

LIMA: Gorete, isto aqui é um revólver de plástico!
GORETE: Não é, não!
(...)

GORETE APONTA A PISTOLA PARA A PRÓPRIA CABEÇA E ACIONA O GATILHO, QUE ACIONA UMA LUZ E UM BARULHO. IMEDIAMENTE, ELA CAI NO SOFÁ, PARALISADA.

(...)
LIMA: Ela está enrijecida.

LIMA OLHA PARA A PISTOLA.

LIMA: Será que essa geringonça funciona mesmo?

LIMA OLHA PARA O FUNDO DO ESTÚDIO.

LIMA: Luísa, Luísa, a moça congelou; Precisamos tirar ela daqui. Se tivesse alguém assistindo, ia ser maravilhoso. A mulher simplesmente virou uma estátua.

 
JACOB, Dionísio. Assombros urbanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.31-40